JIU JITSU

A incrível trajetória de Conde Koma, o homem que trouxe o Jiu-Jitsu para o Brasil
“A postura desafiadora de Mitsuyo Maeda conflitava com os princípios da Kodokan, por isso ao ganhar  notoriedade passou a classificar sua arte puramente como Jiu-Jitsu”,“Estima-se que Conde Koma tenha feito entre mil e duas mil lutas, enfrentando wrestlers, pugilistas epraticantes de outras lutas, sem perder um único combate”.

Mitsuyo Maeda nasceu em 1878 em uma pequena cidade chamada Aomori, localizada ao norte da ilha japonesa de Honshu e conhecida pelo forte frio que faz no inverno.Como a pobreza assolava a região no fim do século XIX, muitos moradores se mudavam para Tóquio ou para outras cidades na tentativa de ganhar dinheiro e fugir do inverno. Felizmente, esse não foi o caso de Maeda, mandado pela família para estudar na escola da elite local, a Hirosaki Junior High School. Mitsuyo lá ficou até o ano de 1886, quando passou a estudar na Waseda High School, em Tóquio.



Entre os amigos, era conhecido pelo apelido de menino-sumô, em razão de seu grande fascínio pela arte que lhe fora ensinada por seu pai e das várias lutas que vencia contra colegas de escola.

Na época da universidade, Maeda foi estudar na Tokyo Specialist School (que hoje tem o nome de Waseda University e é reconhecida como bom centro de ensino) e lá entrou para o clube de judô.  Ao mesmo tempo, ele começou a freqüentar a Kodokan, famosa academia de judô que permanece em funcionamento até os dias atuais.

A Kodokan foi fundada por Jigoro Kano, um estudioso que juntou vários estilos do Jiu-Jitsu antigo para criar o judô, arte que posteriormente se modernizaria tornando-se um esporte de muitas quedas, algumas imobilizações mas nenhum soco ou chute. O auge do esporte ocorreu em 1964 quando recebeu o status de "olímpico" ao fazer parte dos Jogos de Tóquio. Mas isso aconteceu muito depois do tempo de Maeda e Kano, que praticaram um esporte que era a mistura de Jiu-Jitsu e judô. Ambas as artes tinham elementos e técnicas de trocação, herdados das antigas batalhas de samurais, que tinham de saber o que fazer depois que suas espadas quebravam no campo de guerra. Hoje em dia, o judô perdeu muito das técnicas antigas, uma vez que os lutadores treinam para ganhar o ouro olímpico tendo de obedecer a uma grande quantidade de regras e tempo de luta.



Na Kodokan eram realizadas lutas de judô todos os meses. Maeda fez a sua primeira em 25 de dezembro de 1898. Vestindo a faixa-branca, ele derrotou facilmente cinco ou seis oponentes. E no mesmo dia foi promovido à faixa-roxa. Começava ali uma trajetória incrível. Naquele mesmo 25 de dezembro Maeda seguiu vencendo todos os oponentes que surgiam a sua frente até que, depois de derrotar 15 adversários seguidos, recebeu o primeiro grau da faixa-preta. Desconfia-se que Maeda treinou afinco durante meses antes de tentar a sorte na Kodokan pois não queria arriscar não ser bem sucedido.

 



Homem de porte mediano para os padrões japoneses da época, seus 1,64m e 68kg não era o que poderia se chamar de atleta intimidador. Adorava beber saquê e cantar e não se fazia de rogado quando desafiado no meio da rua para uma briga. Não demorava a derrubar e nocautear o petulante que ousou cruzar seu caminho. Em constante evolução, foi promovido ao terceiro grau da faixa-preta em 1901 e se tornou instrutor de judô nas universidades de Tóquio, Waseda e Gakushuin, isto sem falar da escola militar onde também ministrava aulas.
Em 1904, Mestre Jigoro Kano aconselhou Maeda a viajar para os Estados Unidos a fim de mostrar aos yankees as habilidades das artes marciais japonesas. Antes de partir, recebeu o quarto grau das mãos de seu mestre.
Mituyo Maeda deixou o Japão através do porto de Yokohama em novembro, chegando a São Francisco, na Califórnia, pouco antes do fim do ano.

 

Naquela época, os norte-americanos já conheciam um pouco sobre judô, uma vez que o então presidente, Theodore Roosevelt era um grande fã do povo japonês e de sua cultura, chegando a ter um instrutor particular de judô chamado Yamashita. Em busca de melhorar a defesa pessoal, alguns militares americanos também já aprendiam judô em suas bases. Logo, cabia a Maeda e seus companheiros lutar contra os norte-americanos e provar a superioridade japonesa. Na famosa escola militar de West Point, Maeda enfrentou um jogador de futebol americano e praticante de wrestling. Depois de suas costas grudadas ao chão, o que nas regras do wrestling daria a vitória ao americano, Maeda continou lutando e venceu o combate com uma chave de braço. Os americanos não aceitaram o resultado e propuseram um novo desafio, desta vez contra o companheiro de Maeda, um experiente aluno de Kano chamado Tomita. Os yankees acreditavam que enfrentar Tomita seria uma honra maior por se tratar de um lutador melhor [na verdade, Tomita era muito melhor professor do que realmente lutador].

 

Para desespero de Maeda, seu parceiro foi facilmente derrotado, e de forma embaraçosa para qualquer praticante de judô ao ser imobilizado pelo norte-americano. Aquilo foi demais para Maeda, que rompeu com Tomita e decidiu seguir viagem sozinho.



A opção então foi rumar para Nova York, onde participou de várias lutas de vale-tudo para ganhar dinheiro. Na primeira, diante de um westler 20 centímetros maior e que gostava de ser chamado pela alcunha de "O menino açougueiro", Maeda derrubou o oponente várias vezes antes de finalizar na chave de braço. Três lutas e três vitórias depois, uma delas diante do então campeão mundial dos pesos pesados de boxe, Jack Johnson, Maeda iniciava a tradição que seria seguida no Brasil por Helio Gracie e seus discípulos em derrotar adversários muito mais altos e mais fortes. Os Estados Unidos já estavam pequenos demais para ele.



Três anos depois, em 1907, Maeda rumou para o Reino Unido, onde venceu mais 13 lutas e em seguida para a Bélgica, onde fez mais uma vítima. Era hora de voltar à América. E o destino foi a ilha caribenha de Cuba. Lá, muito antes de Fidel Castro sonhar em assumir o poder, quem mandava era Maeda. Foram ao todo 15 vitórias, em dois períodos intercalados por uma rápida passagem pelo México onde derrubou mais quatro adversários. É importante ressaltar que estas são apenas as lutas oficiais. Não estamos falando de desafios feitos no meio da rua. Se contados lutas, só em Cuba foram mais de 400.



Essa postura desafiadora de Mitsuyo Maeda conflitava com os princípios da Kodokan, e ao ganhar notoriedade passou a classificar sua arte puramente como Jiu-Jitsu e não mais Judô.


Depois de muito viajar pelo mundo, em 1914 Mitsuyo Maeda desembarcou no Brasil, mais especificamente em Santos. Pouco ficou nada na cidade do litoral paulista, indo se fixar em Belém. Entre idas e vindas ao Reino Unido, Nova York e Cuba, Mitsuyo chegou usar o nome de Yamato Maeda. Yamato é um nome antigo de Japão, e usava este nome quando representava o país mundo afora. Mas foi na Espanha que passou a ser chamado de Conde Koma, nome da academia de judô que fundou na capital paraense e pelo qual ficou conhecido no Brasil. Em sua academia, Maeda ensinava Jiu-Jitsu como uma técnica de defesa pessoal para lutas de vale-tudo.

No início dos anos 20, o já famoso Conde Koma se envolveu na fracassada tentativa do império japonês de colonizar a Região Norte do Brasil. Acuado, foi ajudado por um homem com grande influência política chamado Gastão Gracie, cuja família havia imigrado da Escócia. A amizade entre os dois cresceu e certo dia Gastão fez uma oferta a Maeda: queria que ele ensinasse Jiu-Jitsu a seu filho Carlos.


Conde Koma morreu no dia 28 de novembro de 1941, aos 63 anos. Estima-se que ele tenha feito entre mil e duas mil lutas, enfrentando wrestlers, pugilistas e praticantes de outras lutas, sem perder um único combate. Muitos imigrantes japoneses e amigos brasileiros compareceram ao funeral para agradecer ao mestre que havia tocado suas vidas de maneira tão determinante. Desde aquele dia, Mituyo Maeda, ou simplesmente Conde Koma, descansa em paz no Cemitério de Belém, no Pará.

Um discípulo de sobrenome Gracie

Foi depois da fracassada tentativa do império japonês de colonizar o norte do território brasileiro que nasceu a amizade entre Conde Koma e Gastão Gracie, patriarca de uma família de imigrantes escoceses que havia se fixado em Belém. Em retribuição à acolhida no momento em que era grande a rejeição aos japoneses no Brasil, Koma passou a ensinar sua arte ao mais velho dos filhos de Gastão, Carlos. São poucas e conflitantes as informações a respeito deste período, mas o fato é que Carlos foi aluno de Koma por não menos do que dois anos e não mais do que quatro.

 

Durante este tempo, o japonês ensinou ao irmão de Helio os princípios fundamentais do Jiu-Jitsu, como o de utilizar a força do oponente como arma para a vitória, bem como técnicas eficientes para vencer em lutas de vale-tudo. Seu método de luta principal era usar chutes baixos e cotoveladas para se aproximar do adversário antes de levá-lo para o chão. Nos treinamentos, botou em prática o “randori”, treino à vera que havia sido banido por Jigoro Kano em suas aulas.



Anos depois, em 1925, Carlos Gracie abriu sua própria academia de Jiu-Jitsu. Para os seus alunos, passou ensinamentos e métodos desenvolvidos por ele próprio através dos anos. Enquanto isso, Maeda seguiu viajando pelo Brasil e pelo mundo. Ensinadas as técnicas básicas e a visão estratégica que um lutador necessita para vencer, não havia muito mais o que fazer. Estava passada aos Gracie a missão de desenvolver o Jiu-Jitsu.
E assim aconteceu.
    

Segundo alguns historiadores o Jiu-jitsu ou "arte suave", nasceu na Índia e era praticado por monges budistas. Preocupados com a auto defesa, os monges desenvolveram uma técnica baseada nos princípios do equilíbrio, do sistema de articulação do corpo e das alavancas, evitando o uso da força e de armas. Com a expansão do budismo o jiu-jitsu percorreu o Sudeste asiático, a China e, finalmente, chegou ao Japão, onde desenvolveu-se e popularizou-se.

A partir do final do século XIX, alguns mestres de jiu-jitsu migraram do Japão para outros Continentes, vivendo do ensino da arte marcial e das lutas que realizavam.

Esai Maeda Koma, conhecido como Conde Koma, foi um deles. Depois de viajar com sua trupe lutando em vários países da Europa e das Américas, chegou ao Brasil em 1915 e se fixou em Belém do Pará, no ano seguinte, onde conheceu Gastão Gracie. Pai de oito filhos, cinco homens e três mulheres, Gastão tornou-se um entusiasta do jiu-jitsu e levou o mais velho, Carlos, para aprender a luta com o japonês.

Franzino por natureza, aos 15 anos, Carlos Gracie encontrou no jiu-jitsu um meio de realização pessoal. Aos 19, se transferiu para o Rio de Janeiro com a família e adotou a profissão de lutador e professor dessa arte marcial. Viajou para Belo Horizonte e depois para São Paulo, ministrando aulas e vencendo adversários bem mais fortes fisicamente. Em 1925, voltou ao Rio e abriu a primeira Academia Gracie de Jiu-Jitsu. Convidou seus irmãos Oswaldo e Gastão para assessorá-lo e assumiu a criação dos menores George, com 14 anos, e Hélio,com 12.

Desde então, Carlos passou a transmitir seus conhecimentos aos irmãos, adequando e aperfeiçoando a técnica à compleição física franzina característica de sua família.



Também transmitiu-lhes sua filosofia de vida e conceitos de alimentação natural, sendo um pioneiro na criação de uma dieta especial para atletas, a Dieta Gracie, transformando o jiu-jitsu em sinônimo de saúde.

De posse de uma eficiente técnica de defesa pessoal, Carlos Gracie viu no jiu-jitsu um meio para se tornar um homem mais tolerante, respeitoso e autoconfiante. Imbuído de provar a superioridade do jiu-jitsu e formar uma tradição familiar, Carlos Gracie lançou desafios aos grandes lutadores da época e passou a gerenciar a carreira dos irmãos.



Enfrentando adversários 20, 30 quilos mais pesados, os Gracie logo adquiriram fama e notoriedade nacional. Atraídos pelo novo mercado que se abriu em torno do jiu-jitsu, muitos japoneses vieram para o Rio, porém, nenhum deles formou uma escola tão sólida quanto a da Academia Gracie, pois o jiu-jitsu que praticavam privilegiava as quedas e o dos Gracie, o aprimoramento da luta no chão e os golpes de finalização.

Ao modificar as regras internacionais do jiu-jitsu japonês nas lutas que ele e os irmãos realizavam, Carlos Gracie iniciou o primeiro caso de mudança de nacionalidade de uma luta, ou esporte, na história esportiva mundial. Anos depois, a arte marcial japonesa passou a ser denominada de jiu-jitsu brasileiro, sendo exportada para o mundo todo, inclusive para o Japão.